Dezenove horas. O sol já havia desaparecido atrás das casas do bairro Martins. A noite começava fria naquele início de primavera. Centenas de pássaros, entre pintassilgos, sabiás e bem-te-vis, gorjeavam nas árvores da praça Tubal Vilela, anunciando o fim do dia.
No majestoso Hotel Colombo, bem na quina norte da praça, um franzino senhor, cabelos brancos rarefeitos, maleta em punho, vestindo um terno de gabardini caqui, adentra a portaria sorrindo, lembrando que havia sido reconhecido, mesmo depois de tantos anos, por um dos clientes que visitara naquele dia. Além disso foi um bom dia de vendas, percorrendo a cidade, visitando as óticas para oferecer suas armações para óculos.
Assim que chegou, um senhor levantou-se rapidamente do sofá e foi em sua direção. Parecia ansioso, respirava rápido.
– Boa noite. Desculpe incomodá-lo. Me chamo Luiz Fernando Quirino.
– Muito prazer. Nelson Roberto Perez – respondeu, estendendo a mão. E completou;
– Em que posso ajudá-lo?
Nelson Roberto Perez nasceu em Campinas, num sábado de lua cheia, dia doze de outubro de 1918 e faleceu em agosto de 2009. Era graduado pela Escola de Comércio de Campinas. No Rio de Janeiro, foi representante das extintas Indústrias de Meias Ethel.
Sua verdadeira paixão era a música. Iniciou uma carreira como cantor nos cassinos cariocas. Cantou também em rádios, bailes e orquestras. No final da década de 1930, começou a cantar no Grupo Cacique. Quando Carmem Miranda visitou Campinas em 1939, Nelson se apresentou em seu show. Em uma apresentação na Rádio Tupi ganhou o nome artístico pelo qual ficou conhecido no Brasil inteiro, Bob Nelson.
No início da década de 1940, depois de assistir o filme, Idílio nos Alpes (Everything Happens at Night), filme americano de 1939, dirigido por Irvin Cummings, começou a aplicar o ritmo tirolês, também conhecido como yodel. Sua adaptação da música “Oh, Suzana” foi a grande impulsionadora de sua carreira. Foi premiada na rádio Cultura e fez parte de seu primeiro disco, em 1944, juntamente com Vaqueiro Alegre.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Assis Chateaubriand, do Diários Associados, homenageou o comandante norte-americano General Douglas MacArthur, com uma apresentação de Bob Nelson cantando “Oh, Suzana”. Ao final da apresentação, o general subiu ao palco e abraçou o cantor, pois era de Arkansas e gostava do ritmo country, além da música falar de períodos de guerra. Chateaubriand também patrocinou a primeira fantasia de caubói do cantor.
O cantor Roberto Carlos, em sua infância, ouvia Bob Nelson. Certa vez declarou-se fã do Vaqueiro Alegre, como era conhecido. A dupla Roberto e Erasmo homenageou o cantor com a música A Lenda de Bob Nelson, lançada em 1974.
É considerado um dos primeiros cantores a misturar a música sertaneja do interior com o country norte-americano. Bob Nelson também desfilava no carnaval carioca, sempre pela escola de samba Império Serrano.
A carreira do cantor acabou junto com a ingenuidade da década de 1950. Bob Nelson voltou a atender por Nelson Roberto Perez, na sua profissão de vendedor, na época representando uma marca de armação para óculos.
Voltando a nossa história, naquele mesmo dia estava acontecendo uma das primeiras FENIUB, Feira Nacional da Industria de Uberlândia, organizada pela Associação Comercial e Industrial de Uberlândia, ACIUB, na avenida Vasconcelos Costa, bairro Martins. Às dezoito horas, a diretoria tomou conhecimento de que o astro contratado para o show daquela noite não apareceu nem deu satisfação. Foi um desespero total pois o show era o grande chamariz da feira.
Procuraram então o Luiz Fernando, radialista da cidade e muito participativo nas feiras que aconteciam desde 1969. Por grande sorte do destino, Luiz tinha tido um dedo de prosa antes com o Alceu Santos, dono de uma ótica. Nessa conversa, Alceu disse que havia recebido um vendedor de armações que, anos antes, havia sido o famoso cantor de rádio Bob Nelson e que estava hospedado no hotel Colombo.
Dezoito horas e trinta minutos. Luiz Fernando já estava no saguão do hotel, ansiosamente esperando a chegada do Nelson.
Após se apresentarem, Nelson e Luiz conversaram sobre os bons tempos do rádio, do sucesso de Bob Nelson e, quando teve oportunidade, já na porta do quarto do hóspede, o radialista contou a tragédia que estava acontecendo e pediu ajuda.
A princípio, Nelson relutou em ressuscitar Bob Nelson por uma noite. Já estava, há muito, afastado da música. E ainda, sem nenhum ensaio e sem conhecer os músicos, vislumbrou a perspectiva de um fracasso iminente depois de tanto sucesso no passado. Além disso não tinha roupa apropriada para o palco.
Luiz estava desesperado e continuou insistindo. Nelson, percebendo a apreensão de seu interlocutor, sorriu calmamente e decidiu aceitar o desafio.
– Você me arruma um chapéu de vaqueiro, uma camisa quadriculada e vamos para o show.
Lojas fechadas, Luiz saiu caçando o material exigido. Ele nem se lembrou da questão do cachê, tão concentrado em resolver o problema. Mas naquela hora, o show improvisado não tinha preço. Pagariam o que fosse preciso. Enquanto isso, Nelson tomava o seu banho relaxante, depois de sua longa andança pela cidade.
Vinte e duas horas. Pavilhão da feira lotado. Ninguém sabia o que ia acontecer. De repente, para surpresa do público e da diretoria, foi anunciado:
– Bob Nelson, o caubói romântico do Brasil!
De vaqueiro ele só trazia o chapéu e uma camisa quadriculada. Nem revólveres, nem lenço no pescoço. Mas foi um sucesso, com os velhos “orolei-ii”, sua marca registrada, inspirados no yodel. Os músicos nunca tinham visto Bob Nelson antes. Mas suas marchinhas eram suficientemente quadradas para executante nenhum se enfiar por tombos harmônicos.
Findo o belo espetáculo, nos bastidores, Luiz e os diretores da ACIUB rodearam o cantor. Os aplausos pediam seu retorno ao palco. Luiz Fernando quis saber quanto lhe deviam. Bob Nelson sorriu.
– Não vou cobrar nada. Vim a Uberlândia vender minhas armações de óculos e fiz bons negócios. Eu sou maçom e prometi, em Loja, ajudar ao próximo sempre que pudesse. Você e seus amigos precisavam de ajuda.
E voltou ao palco para a música de despedida.
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