Lyceu, pioneirismo e cultura

Lyceu de Uberlândia, Academia de Comércio e Colégio Osvaldo Cruz, década de 1940. foto divulgação.

Durante 44 anos, Uberlândia dispôs de um colégio que, além de ensinar como todos os outros, levou cultura, esporte e valores humanos aos alunos e tornou-se um marco na história da educação no Brasil. Tinha uma orquestra formada por alunos conhecida nacionalmente, promovia na cidade shows com artistas brasileiros famosos e peças de grupos renomados de teatro. O Lyceu de Uberabinha foifundado em 1928 e teve o nome alterado para Lyceu de Uberlândia quando a cidade mudou de nome, em 1929. Em 1928, incorporou o curso primário e, em 1931, a Academia de Comércio, com cursos técnicos destinados ao ensino comercial. Em 1942, anexou o Ginário Osvaldo Cruz e nos anos seguintes a  Escola Normal Mário Porto e o Jardim de Infância.

A iniciativa de criar a escola foi de Antônio Vieira Gonçalves e de Mário de Magalhães Porto. Mas a figura central do colégio foi o pernambucano Milton de Magalhães Porto, que mudou-se para Uberlândia em 1931 para assumir a administração da instituição, função que exerceu até 1972, ano em que a escola fechou as portas. Milton ajudava nas matrículas e, à noite, assistia aulas do irmão Mário para tornar-se professor. Autodidata, tinha apenas o ginásio, não fez faculdade. Mas era muito inteligente, falava bem o inglês e o latim, fruto de sua passagem pelo colégio Salesiano.

A escola foi montada na praça Osvaldo Cruz, onde hoje fica a agência da Caixa Econômica Federal, em frente ao Fórum Abelardo Penna. No andar de cima morava a família de Milton. Além de duas meninas nascidas em Uberlândia, havia o primogênito Galba Gouveia Porto. Milton veio para Uberlândia na frente e deixou Galba com a mãe Maria Fausta Gouveia Porto em Caruaru, Pernambuco. A família foi reunida novamente oito meses depois de sua chegada.

O Lyceu inaugurou o primeiro ginásio coberto de Uberlândia, palco de comemorações, reuniões e shows. A Academia de Comércio, o Ginásio Osvaldo Cruz e a Escola Normal Mário Porto ficavam nas mesmas instalações mas funcionavam em turnos diferentes.

O prédio também chegou a abrigar um internato para filhos de fazendeiros que moravam distantes da cidade. Os alunos brincavam no quintal da escola. No prédio onde moravam não tinha cozinha. Por isso, para almoçar, atravessavam o pátio do colégio até o refeitório, que ficava nos fundos do terreno onde um muro dava para a rua Quintino Bocaiuva.

Todas as sextas-feiras, com aparelhagem própria, o ginásio se transformava em cinema. Ali se apresentavam grupos de teatro e artistas famosos como o cantor Wanderley Cardoso, ícone da juventude dos anos 1960. Foi ali também que, em 1952, foi formada a orquestra do Lyceu, pela iniciativa do aluno do curso de contabilidade da Academia de Comércio, o húngaro Nicolau Sulzbeck. Na época ainda não existia o Uberlândia Clube e a cidade não tinha muita festa. Era naquele ginásio, travestido de grande salão, que a juventude se reunia.

Em 1972, sem ter como cumprir uma série de exigências burocráticas do Ministério da Educacão para autorizar o funcionamento das escolas, Milton Porto decidiui fechar o Lyceu.  Apesar de ser uma escola particular, não visava lucro. Muitas pessoas que não tinham condições de pagar estudaram lá.  O Lyceu era uma grande família que desperta saudades até hoje em seus ex-alunos.

Mário de Magalhães Porto

Formado em Direito e nomeado Promotor de Justiça de Frutal, Minas Gerais, no governo de Antonio Carlos Ribiero, 1926 a 1930, Mário de Magalhães Porto foi transferido para Uberlândia, onde fundou o Lyceu de Uberlândia e foi reitor do Colégio Estadual,  conhecido como Museu. Para se dedicar mais à reitoria, convidou o irmão Milton de Magalhães Porto para assumir o Lyceu.

Como bom orador, Mário defendia a igualdade social e chegou a ser acusado de comunista pela oposição. Na década de 1930, quando Uberlândia ficou conhecida no país como a Pequena Moscou, o fundador do Lyceu precisou fugir às pressas da cidade, depois de ser avisado que a Polícia Federal iria prendê-lo. Pegou os filhos e a mulher durante a noite e foi de carro para Uberaba, onde tomou o trem no dia seguinte. Pegaram, em Uberaba, o mesmo trem em que a polícia chegou em Uberlândia. No Rio de Janeiro, Mário conseguiu proteção política e se tornou professor do Colégio Pedro II. Em 1944, fundou o Instituto Educacional Brasil América, que funciona até hoje à beira do Corcovado.

Faleceu em 1950, quando era presidente da Federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, entidade que congregava as instituições escolares de ensino médio do país.

Milton de Magalhães Porto

Milton trabalhava no cartório do pai, Leocádio Porto, ex-prefeito de Caruaru, Pernambuco, que teve os bens confiscados na revolução de 1930. Avesso à política, após perder tudo, seu irmão Mário o chamou para Uberlândia. Viajou escondido do pai, com dinheiro que a madrasta e a tia lhe emprestaram.

Além de administrar o Lyceu de Uberlândia, Milton foi presidente da Fundação Universidade de Uberlândia, entre os anos de 1969 e 1978. Recebeu o título de Cidadão Honorário e a Medalha Augusto César. Em 1974, recebeu a Comenda Santos Dumont e, em 1980, a Assembléia Legislativa lhe concedeu o título de Cidadão Honorário de Minas Gerais. Faleceu durante as comemorações do centenário da emancipação de Uberlândia, em 30 de agosto de 1988.

Alunos e professores do Lyceu, década de 1950. foto divulgação.

 

Orquestra dos alunos do Lyceu de Uberlândia, década de 1950. À esquerda, o violinista Nicolau Sulzbeck. No centro, o saxofonista Raul Alves, proprietário da antiga carpintaria Dragão que fabricava as famosas carrocerias Dragão. No piston o advogado Dr. Clemente, filho do maestro Barraca. No acordeon, Sebastião Magnino. Foto divulgação.

 

Atriz e cantora Emilinha Borba com a orquestra do Lyceu na radio nacional do Rio de Janeiro, 1950. A orquestra foi convidada pelo programa de maior audiência do rádio para apresentação única. Foto divulgação.
Vista da avenida Afonso Pena, em frente à estação da Mogiana, década de 1940. À esquerda, um dos prédios e o muro do Lyceu de Uberlândia, além do telhado do ginásio. Foto divulgação.

 

2 Comentários

  1. O professor Mário Porto, assim como os professores José Inácio de Souza, Miron de Menezes e Nelson Cupertino, foi vítima da caça às bruxas que se seguiu ao levante comunista de 1935. Ótima matéria!

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*