O ano é hum mil novecentos e vinte e seis, na cidade de São Pedro de Uberabinha. Em frente ao Grande Hotel Central, um menino serelepe, com sua caixa de engraxate, chama a atenção de Izabel e Abigail Parecis, da Companhia de Comédia e Variedades Sarah Bernhardt, que está na cidade para se apresentar no Theatro São Pedro, que ficava na esquina das atuais ruas Felisberto Carrejo e Tiradentes.
Ele é convidado, então, para fazer uma ponta na apresentação da Companhia, onde aparecia de repente, dizia uma frase e depois saía do palco. Esse pequeno instante foi o suficiente para arrancar risadas da platéia que já o conhecia das brincadeiras que fazia quando tinha circo na cidade. Como ele mesmo dizia, “… eu tinha uns sete anos. Era o ‘Bastiãozinho`, usando um vestido comprido e com um travesseiro no bumbum e rebolando de braços com o palhaço. aí todo mundo riu, todo mundo achou graça”.
Abigail ficou tão impressionada com o garoto que pediu permissão à família para adotá-lo. Trato feito, o menino passou a fazer parte da Companhia e saiu em turnê, como parte do elenco de uma de suas peças.
Em 1926, o garoto ingressa na Companhia Negra de Revistas, que estreia em São Paulo e excursiona por seis estados, inclusive o Rio de Janeiro. O Jornal Correio da Manhã menciona “um pequeno artista negro de seis anos que tem assombrado todas as platéias com a precocidade de seu talento” e o crítico Mário Nunes destaca sua atuação dizendo que ele “canta em vários idiomas com uma verve e espontaneidade extraordinárias”. Nessa época, ele deveria ter mais ou menos 11 anos mas como era muito franzino, era natural acharem que tinha pouca idade.
Sebastião Bernardo de Sousa, nome de nascença, fez seu registro de nascimento tardio, em 1930. Mudou de “Bernardo” para “Bernardes”e incluiu “Prata” no final do nome. Não tendo certeza da data de seu nascimento, escolheu dezoito de outubro de hum mil novecentos e dezessete, data em que foi batizado. Acredita-se que nasceu, na verdade em hum mil novecentos e quinze, em Uberabinha, filho da cozinheira da residência dos Prata com seu patrão. Talentoso na comédia e na arte de cantar e representar, não escapou da tragédia em sua vida pessoal. Sua mão era alcoólatra e seu pai morreu assassinado a facadas.
Jardel Jércolis, amigo e produtor, achando seu nome muito grande para um artista e para seu tamanho, um metro e cinquenta centímetros, mas reconhecendo seu enorme talento, o apelidou “The Great Othelo”, alusão ao personagem negro de Shakespeare. Mais tarde, o apelido foi assumido como pseudônimo e abrasileirado para “Grande Otelo”. Muitos uberlandenses acreditam que esse nome nasceu, na verdade, da lembrança de sua infância como engraxate, na portaria do Grande Hotel.
O ator passou pelos palcos dos cassinos, dos grandes shows e do teatro. Trabalhou no cinema em “Futebol e Família”, em hum mil novecentos e trinta e nove, e “Laranja da China”, em hum mil novecentos e quarenta, e em hum mil novecentos e quarenta e três, fez seu primeiro filme pela Atlântida, “Moleque Tião”. Junto com Oscarito, participou de mais de dez chanchadas como “Carnaval no Fogo”, “Aviso aos Navegantes” e “Matar ou Correr”. Em hum mil novecenttos e quarenta e dois, participou de “It’s all true”, filme realizado por Orson Welles no Brasil.
Outra tragédia viria a abalar sua vida nessa época. Sua mulher matou o filho do casal, de seis anos de idade antes de se suicidar.
Em hum mil novecentos e sessenta e nove, fez “Macunaíma”, sendo inesquecível a cena de seu nascimento. Como ator dramático, marcou presença em vários filmes, dentre os quais “Lúcio Flávio – Passageiro da Agonia” e ‘Rio, Zona Norte”. Em “Fitzcarraldo” (hum mil novecentos e oitenta e dois), do alemão Werner Herzog, filmado na selva do Peru, Otelo precisava fazer uma cena em inglês, mas resolveu falar espanhol. Quando o filme estreou na Alemanha, aquela foi a única cena aplaudida pelo público.
Em hum mil novecentos e noventa e três, Grande Otelo morreu de enfarte ao desembarcar na França, onde receberia uma homenagem no Festival de Nantes.
Reverenciado como um dos maiores atores do século XX pela própria classe e em vários países do mundo, Grande Otelo não participou sequer da lista que elegeu Chico Xavier o “Mineiro do Século”. Em Uberlândia, o teatro com seu nome, localizado na avenida João Pinheiro, esquina da praça do Santuário Nossa Senhora Aparecida está em ruínas, esquecido há vários anos.
Fantástico! Estou gostando muito de conhecer histórias de Uberlândia.